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Review: Crônicas da Cidade Cinza, de Rodrigo Ogi

Crônicas da Cidade Cinza, primeiro disco solo de Ogi é sem dúvidas um clássico do rap. Lançado em 2011, o disco é, além de uma homenagem à cidade de São Paulo, uma verdadeira aula de rimas, batidas, métrica e poesia.


Para além disso, uma característica muito forte que constitui e é muito lembrada quando falamos dessa obra prima, é a arte do storytelling. Neste quesito, o MC paulistano cria algo extremamente único, esbanjando versatilidade e criatividade, nos retratando as mais diversas cenas vistas e vividas nas ruas da Cidade Cinza.

Do cotidiano ao cinematográfico; de uma tentativa de fuga da polícia à jornada de um sujeito nordestino, que deixa sua terra rumo à São Paulo buscando “fazer a vida”. Tudo isso demonstrando completo domínio e classe, dispondo de excelentes tramas, ápices e desfechos na estrutura de suas músicas.


Através das histórias e personagens contados por Ogi, o MC acaba por prestar uma bela homenagem ao próprio ato de se contar histórias e àqueles que o fazem. É como se o disco incorporasse um pedaço de vida e memória de todos aqueles que já cruzaram com Ogi pelas ruas da maior cidade da América Latina.

Arte de capa do trabalho, assinada pela dupla Os Gêmeos.


Aliado a isso, a produção do disco faz a liga perfeita com as rimas entregues por Ogi e fecha muito bem o conceito e estética da obra; passando pelas mãos de produtores como DJ Caique, NAVE e Stereodubs, os samples e batidas são incríveis e a seleção dos beats parece ser minuciosa e muito bem feita, de forma que as atmosferas são muito coesas com o que está sendo rimado, é quase como se em algumas faixas a textura do ar poluído da metrópole estivesse ali, compondo discretamente algum lugar do som.


Na faixa Profissão Perigo, a introdução já estabelece certa atmosfera dramática, ao mesmo tempo que inspira certa adrenalina. É como se o instrumental retratasse uma sensação de vulnerabilidade constante, enquanto Ogi incorpora um motoboy experiente, que já conhece as ‘arapucas’ a se desviar, que corre pelas ruas da cidade ao passo que nos relata as dificuldades da profissão perigo.


Na faixa Noite Fria, Ogi utiliza da perspectiva de um pichador que conta a história da noite em que foi assassinado por policiais, após sair com seu grupo para pichar numa sexta-feira à noite. O instrumental da faixa, que conta com um sample de “Frente Fria" da cantora Claudia, fornece a textura noturna ideal, como que anunciando um perigo iminente.


Em Pronto pra Guerra, o eu lírico se encontra diante de uma situação onde terá de enfrentar sozinho diversos homens em uma típica briga de rua, com direito à armas brancas e até capoeira. O personagem faz questão de não recuar, como esbraveja no refrão, ainda que com receio.

A faixa Zé Medalha é a continuação da história trazida em Pronto pra Guerra, onde

os inimigos de Ogi acabam derrotados e vão chamar Zé medalha, seu chefão.


Aqui, mais uma vez a produção dos instrumentais contribui muito para estabelecer a atmosfera da história rimada por Ogi: Em Pronto pra Guerra, a batida nos transmite certo ar de solidão, enquanto que em Zé Medalha é utilizado um sample de “Whodunit”, do grupo americano Tavares, manipulado de forma a soar surpreendentemente como um suspense. Em ambas as faixas, o nível e riqueza dos detalhes desta briga trazidos por Ogi é incrível.


Ao longo do trabalho, Ogi ainda interpreta diversas situações: Uma noite daquelas dignas de um filme, uma verdadeira epopéia de fatos em “Besta Fera”, contando com a participação de Doncesão, Dr.Caligari e Mascote, um assaltante e um policial na faixa “Por que meu Deus?”, um cidadão que tenta resistir às tentações de conseguir seu sustento de forma ilícita em “A Vaga”, dentre várias outras vivências ali contadas.


Vale também uma ressalva para “Os tempos mudam”, em que Rodrigo Ogi brinca com a ideia de inversão de valores tradicionais, retratando uma relação em que os afazeres domésticos são tarefa do homem e a mulher, interpretada por Lurdez da Luz, sai para trabalhar e prover a renda da casa.


O álbum conta ainda com participações de Munhoz, Espião, Savave, Henrick Fuentes e Rodrigo Brandão e é certamente um disco muito influente e importante, uma vez que utilizou de uma construção ímpar e original, ampliando de diversas formas o conceito de álbum de rap no Brasil.






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